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DESCONSTRUINDO MONDRIAN

O SENTIDO SECRETO DAS COISAS

Uma coluna montada com blocos de cimento é erguida no meio da sala. Há silêncios e vazios em torno dela. No entanto, esta organização vertical construída no espaço do cubo branco não nos oferece a menor promessa de ali se sustentar por longo tempo. Empunhando marretas, dois homens se lançam sobre o objeto e começam a destruí-lo. Há uma ruptura no silencio pelos golpes da ferramenta e a respiração ofegante provocada pelo embate dos corpos sobre a dura matéria. Tal enfrentamento nos remete a inevitável metáfora da relação do homem com o trabalho ou se preferirem do artista com o sistema de arte. Em sua trejetória a produção de Pedro Paulo Domingues carrega o desejo de criar acontecimentos que possibilitem o surgimento de uma nova engenharia cujo destino é inverter a lógica do real. A potência desta ação, como a pedra de Sísifo morro acima, reside no deslocamento, não do simples objeto separado do seu destino comum mas da aparente inutilidade contida no gesto de erguer para depois destruir. Não por acaso, uma vez destruída o que os destroços oferecem aos olhos são construções mondrianas. A cor aparece no que antes era apenas cinza. Construir, destruir, construir novamente. Agora o que temos são resquícios operados pela alma da matéria revelada em cacos. A ação torna visível o que até então era secreto. Assim olhamos para o resíduo como empreendimento. E para a realidade como uma possibilidade.

Vilmar Madruga                                                                                                                                             Niterói,  julho  2023

curador

LIGAÇÕES ETÉREAS

Ligações etéreas. Ligações efêmeras, ligações sexuais, ligações perigosas. Ligamento, ligadura, liga. Ligações coordenadas, covalentes, dativas, duplas. Ligação em paralelo. Ligação direta. Elétrica. Ligação simples. Ligação. Tudo que liga desliga. Fluxos e refluxos. Contrafluxos.

 

Duas esculturas conectadas. Uma única estrutura. Instalação. Vínculo, junção.

 

Fique ligado: tudo está interligado. “É como se o bater das asas de uma borboleta no Brasil causasse, tempos depois, um tornado no Texas.”[1]

 

Liame. Certame.

 

Os sistemas tendem ao caos. Entropia.

 

Contudo…

O olhar organiza tudo. Harmoniza.

 

É como conciliar um enorme obelisco negro e flutuante com um grande tubo prateado e emaranhado que emana luz.

 

Sendo explícito: é tudo sobre sexo (não fosse por ele, a grande maioria de nós não estaria aqui).

Corpos ainda se atraem, energias e fluidos continuam a ser trocados. Relações.

O trabalho “Ligações etéreas” é uma espécie de analogia – não uma representação – a esse respeito. Mas não só. Se Pedro Paulo Domingues tivesse feito uma peça literária, eu diria que tinha usado uma metáfora. Possivelmente, semelhante à do iceberg: há muito mais coisas abaixo da superfície, que estão além do que os nossos olhos conseguem ver. Isso, também, uma metáfora.

 

O que vemos é uma conexão (por meio de cordões de lã) entre duas entidades, uma flexível e a outra, rígida. Qual está atraindo (capturando) qual eu não consigo afirmar com precisão.

A pesada e opaca parece sobrevoar a leve, que está pousada no chão e emite uma luminescência. O objeto fálico e rijo recebe a carga (ele a absorve; devolve; troca?) que surge das entranhas/reentrâncias da tubulação maleável. A peça de baixo é a geradora de uma luminosidade interna cintilante. Ela é oca, não obstante repleta de energia pulsante, que transmite à outra. Algo mais que fios as conecta. As linhas que unem as duas partes fazem uma espécie de ligação luminosa/libidinosa. Comunicação? Acupuntura energética? Sexo tântrico?

 

Masculino e feminino (conceitos em desconstrução)? Não ouso dizer.

 

Já nas fotografias da série “Fricções”…

Interpenetração. Visual. Real. Virtual. Seres hermafroditas. Autofelação. Masturbação. Tudo isso e nada disso. O olhar penetra.

 

Quem penetra quem? Tensão/tesão no ar.

 

Erotismo. Desordem?

 

Desobediência; insubmissão; insubordinação. Amor livre. Eu já disse que se trata tudo de sexo? Mas não só.

 

Há uma profusão visual, que gera a dúvida quanto ao número de corpos em cada cena. Quanto menos informação no sistema, maior a entropia. Porém, mais uma vez, tudo se organiza pela visualidade.

O artista dá a ver, o texto crítico não é capaz de traduzir em palavras (nem é para isso). Apenas explicito a minha visão. Mesmo que não tão clara, ou rígida. Talvez tão intangível quanto a obra. Ambas estão aí para a livre fruição.

 

André Sheik, dezembro de 2017.

 

[1]     Edward Norton Lorenz, matemático e meteorologista, em sua “Teoria do Caos”.

LIBIDO

A sexualidade está no centro da redefinição crucial do humano pelo pensamento freudiano. Na instalação Libido (O que somos) de Pedro Paulo Domingues, masculino e feminino – modulações poéticas do desejo – se confundem na trama entre o real e o imaginário. Possuir um corpo é estar apto ao amor erótico e poder sentir, nesse corpo, a intensidade do toque – suas flutuações e escândalos. Porém, Eros é ao mesmo tempo solar e noturno: todos o sentem mas poucos o vêem. Para desafiar a luminosa cegueira da libido a sala vermelha acolhe uma descarnada epifania.

 

Um cérebro sem corpo está sobre o chão. Como uma base de lançamento, onde tudo começa, projeta linhas de força que atravessam alguns obstáculos. Através de películas complacentes e por meio de diversos condutores que criam um mecanismo absurdo, o feixe gerador se irradia. O que se vê são apenas rastros, linhas, posições, partes. Suspenso no espaço e no tempo, o desejo é reconsiderado como fluxo energético em expansão cujas linhas formam uma espécie de mapa tridimensional, um esquema em que diversos objetos-órgãos são ativados ao mesmo tempo. Como sugere o pensamento deleuziano, aqui as linhas são elementos constitutivos das coisas e dos acontecimentos; cada elemento tem sua cartografia, seu diagrama.

 

Anzóis fisgam o fluido seminal coagulado. Uma vez disparado, esse fluxo segue seu curso. Os fios condutores de força riscam o espaço por onde se reproduzem. Cruzam a galeria até o alvo: um ambivalente órgão receptor que, na diagonal oposta, se contrapõe à posição do cérebro-disparador. Vestígios da libido movimentam um jogo de correlações e espaços que não fecham um contorno.

 

Os limites do presente nos posicionam entre indagações desafiadoras quanto ao princípio da vida e à transcendência da morte. Libido (O que somos) se inscreve em uma série de trabalhos de Pedro Paulo que buscam, desde a década dos 1990, uma aproximação com essa ordem de questões que não se esgotam, nem admitem respostas categóricas. Ele as enfrenta por meio de diferentes estratégias. Para onde vamos? instalação apresentada pelo artista em 2008 no espaço Durex, atraía o observador para o centro vazio de um nicho de cortinas giratórias. Em seu movimento hipnótico, o lançava novamente para fora. A dúvida transcendental é enfrentada por meio desta máquina de mostrar e esconder.

 

Pedro Paulo Domingues repõe um dos dilemas comuns à arte e ao desejo: no transito entre o real e o imaginário, ambos duelam com o tempo. Talvez por isso haja, neste trabalho,  um caráter de celebração. Sua presença imóvel e silenciosa deixa entrever o instante fugaz em que a libido dissolve ou embaralha os contornos dos gêneros. E reabre a pergunta: o que somos?

 

Luiza Interlenghi

fevereiro 2010

 

LIBIDO ou DE ONDE VIEMOS

 

O trabalho é uma instalação que trata a libido como uma secreção psíquica ou um fluido cerebral.

 

Ele é composto por uma espécie de língua fina e translúcida, quase transparente de silicone com 8 metros de comprimento que fica suspensa do teto por dezenas de anzóis presos a fios de lã e atravessa todo o espaço da galeria. Esta membrana é ancorada ao piso por pequenos objetos semi-ocultos que na sua forma remetem vagamente a testículos, óvulos ou espermatozóides.

 

O trabalho ocupa todo o espaço de uma das galerias, que terá as paredes pintadas de vermelho.

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma das extremidades deste conjunto encontra-se a uma distancia do piso equivalente a altura da genitália e, possui uma pequena inclinação em relação ao solo, sendo que este ângulo se aproxima do ângulo do pênis ereto.

 

Estes dois elementos estão suspensos por 30 anzóis. Cada um dos anzóis está preso por um fio de lã branca sendo que este fio percorre um trajeto que parte do chão, sobe e passa sobre um cabo de aço, (que atravessa a sala próximo ao teto no sentido longitudinal) desce e passa pelo anzol, volta ao alto, passa sobre outro cabo de aço, paralelo ao primeiro, e volta ao chão do outro lado do conjunto membrana / espiral. Este trajeto forma no espaço um desenho em forma de M.

 

 

 

 

 

 

 

Em cada uma das extremidades do fio de lã que toca o piso ele, o fio, produz um amontoado disforme que cobre dois objetos em forma de ovos que por sua vez são cobertos por uma pequena manta de silicone transparente que tem a textura do saco escrotal.

 

 

 

 

 

 

No chão, próximo à parede e perto de uma das extremidades da grande membrana há um cérebro em tamanho real de silicone branco.

Sobre o cérebro e apoiado na parede e no piso em um ângulo de 45°, há uma tela de seda transparente.

Há uma outra tela na posição vertical, pendurada do teto, defronte da membrana e de topo em relação a esta.

Na outra extremidade da sala e também de topo em relação à membrana há três outras telas paralelas entre si.

 

 

 

 

 

 

 

 

Partindo do cérebro saem vários fios de linha prata metálica que atravessam a primeira tela em vários pontos formando o desenho de um círculo. A partir destes pontos, os fios atravessam a segunda tela, desta vez em apenas um ponto. Continuando o trajeto, eles penetram na espiral de cobre que está envolta pela membrana e a atravessam em toda sua extensão (8 m) até atingirem a outra extremidade. Ao despontarem do outro lado, os fios continuam o trajeto no ar até atingirem a primeira das três telas paralelas entre si. Após atravessarem a ultima tela, continuam em direção à parede e atravessam um pequeno objeto de cerâmica branca, que está fixado à parede.

 

PPDomingues março 2010

ASCENSÃO

E QUEDA

SOBRE AS VERDADES FRÁGEIS

 

 

 “A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra.”

“Iracema”, José de Alencar

 

A produção de Pedro Paulo Domingues dialoga com o experimentalismo e a pop arte brasileira, regida pela ironia, pela provocação estética e pela apropriação de vários materiais. Ao entender a arte como um exercício de reflexão sobre o real através da criação de paradoxos que questionem os limites do real e do imaginário, ele dialoga  com os ready mades de Duchamp e com a clareza construtiva de Waltercio Caldas. Fiel a Nietszche, ele entende o artista como ponte entre os tempos, elaborando discursos e ações que fazem do ser humano o agente da transformação, o Demiurgo dos mistérios e das diferenças, o agente que toma para si a função de re-fazer o mundo.

 

As obras de Pedro Paulo têm esse mistério permanente, essa imanente verdade: elas nos falam de encantamentos reais, experimentados e sentidos no âmbito da vida contemporânea ao mesmo tempo em que são portadoras de um manto de eternidade, de algo arquetípico que de imediato dialoga com nossos pensamentos e nossas certezas.

Por isso há algo nelas que oscila como um pêndulo entre a beleza e a melancolia, entre a estática e o movimento, entre a brincadeira e a sobriedade, entre aquilo que foi e o que sempre será.

 

            A escultura se funda através dos totens, erigidos para identificar grupos sociais e traços culturais comuns; os obeliscos são elementos urbanos decorrentes desse primeiro ímpeto de poder e verticalização da forma. Para essa exposição, o artista propõe uma sensível e envolvente metáfora sobre as ascensões e as quedas, sobre o poder e sua fragilidade, sobre o silêncio dos homens e o uivo dos coiotes, sobre a vida e sobre a arte em sua essência primordial, bela e trágica em seu mistério, em sua beleza.

Marcus de Lontra Costa

Rio. maio. 2012

 

INFINITO

 

 

Iludido o córtex em seu nó, líquido o Pneuma invade

indiferente a paralisias e rápido imobiliza as sete densidades

que encontram discreções nos dois lóbulos do signo.

Já não é mais, pois advém o terral.  Alísios do imenso

coleóptero são também anjos que cercam de Santa Luzia

os olhos.  Nervoso o moinho delapida ao mesmo tempo exaustão

e o vento.  “Bela é a luz e do que dela resulta”.

Lembrar-se de Siracusa é também tarefa de tal aeolito,

o que paira sobre as águas.

 

Tunga

 

CAMA

O interesse pelo rastro deixado pelos objetos no imaginário humano; combinações inesperadas que os transformam em entidades compósitas, em esfinges contemporâneas.

 

Pedro Paulo Domingues aproveita-se de tecnologias para poetizar elementos teórico-conceituais da ciência, materializando a tênue fronteira entre o visível e o invisível, entre olhar, tato e audição.

 

Na cama com a superfície coberta por ventiladores, ecoa a roda de bicicleta sobre o banco Duchampiano.  A operação que apropria a forma anula ao mesmo tempo a função.  Há aqui um dado novo: o do movimento contínuo das hélices que suaviza a visão agressiva das pás.  Soma-se o ruído hipnótico da máquina que refresca e convida ao descanso impossível.

 

O ar que se agita, amplia o campo de trabalho para uma região invisível, mas captável por sentidos secundários para a razão.  Ao corpo é permitido sentir o fluxo do vento, ouvir o barulho em ritmo incessantemente repetido e observar a cegueira da visão.  Repetição que se faz continuamente, enquanto sua fonte objetiva seguir funcionando.

Fernando Chocchiarale

Rio, março de 1993

 

DESLOCAMENTOS

Pedro Paulo faz do excesso de adornos do espaço físico, o principal elemento para a discussão plástica e conceitual da sua obra.

... Ele duplica a imagem de pedaços das sancas, adornos das arestas da sala, teto, chão e rodapés, em estruturas translúcidas que refletem essas partes da arquitetura. O chão plano ganha tridimensionalidade com sua imagem duplicada num backlight. Ausência e presença, a memória  é evocada na projeção do detalhe de uma porta fechada/aberta. Na instalação de Pedro Paulo há um respiro fantasmagórico, que atenta para a questão da passagem do tempo.

Daniela Labra

julho 2004

 

LABIRINTO

Labirinto de Pedro Paulo Domingues requer a presença física do espectador em contato direto com a obra. O labirinto de vidro transparente a ser construído no Museu do Açude pode ser percorrido pelo público, que terá uma visão totalmente desobstruída do seu interior, assim como da paisagem a sua volta. Com o artifício da transparência e o desenho das paredes em labirinto a obra desorienta quem se aventura a percorre-la.

 

Por se tratar de um labirinto totalmente transparente, o público que se encontrar do lado de fora terá uma visão nítida do que ocorre em seu interior, podendo observar a dificuldade de quem o percorre em achar o percurso correto para a saída.   Na entrada a quem se interessar, poderá ser dado um fio a ser desenrolado durante o percurso, caso tenha dificuldade em encontrar a saída, podendo voltar pelo caminho já percorrido.

 

Se esta escultura penetrável retoma a tradição participativa da arte brasileira, vencida a distância histórica, Pedro Paulo desloca o sentido sensorial de Hélio Oiticica. Em Labirinto o envolvimento físico implica simultaneamente em experimentar e em ser observado. E, ainda, em experimentar o labirinto observando todo o espaço: o da própria obra e o da paisagem em que se situa. A natureza da visão em Labirinto abre-se, intensamente, para a vertiginosa observação através das paredes do labirinto.  A noção de transparência que intimida é anunciada por Cildo Meireles na obra Através (1983) em que o observador é levado a caminhar sobre cacos de vidro, entre grades e superfícies que o olhar atravessa, mas, diante das quais o corpo tem que recuar.

 

Pedro Paulo Domingues comenta, criticamente, o paradoxo entre a transparência e o sentido de liberdade. Nesta construção erguida com paredes de vidro, o alcance da visão não confere direção nem assegura plena mobilidade ao corpo. Não há equivalência mas conflito entre transparência e liberdade. Transposto para o campo da arte, este paradoxo aponta para as relações que se estabelecem entre a obra, o espectador e os espaços institucionais – ambas instâncias que o sujeito é levado a percorrer sem qualquer garantia de que encontrará qualquer saída.

 

A pressão do espaço da obra sobre o espectador está no centro de um penetrável anterior de Pedro Paulo. De onde viemos, para onde vamos? (2008), formado por cortinas que bloqueiam a visão, enquanto movem-se constantemente em dois semi-círculos de direções opostas, provoca desorientação. Aparentemente oferecendo uma fenda de passagem o mecanismo atrai o visitante para seu interior. Uma vez penetrado o espaço – sempre em movimento – induz, pela instável opacidade das cortinas, a sair.

Luiza Interlenghi      julho 2009

 

A MECÂNICA DO SONHO

Entre realidade e ficção

 

 

Para a psicologia analítica de Jung a interpretação do sonho é a sua chave mestre, pois é daí que o consciente recebe informações do inconsciente, ao contrário de Freud que entende o absurdo do sonho como uma fachada para o desejo contido.

 

A Mecânica do Sonho, trabalho apresentado por Pedro Paulo Domingues para esta Vitrine Efêmera reflete-se entre esses dois momentos: um que fala diretamente como forma, expresso em matéria, e outro, menos óbvio, que trata do conteúdo visionário inerente ao artista. Usando de uma conjugação de variáveis em que encontramos areia, mesa, ventilador, um pano cobrindo uma cabeça, percebemos detalhes que transpõem o mero acaso para se inserirem na contundência de observações. A mesa tem uma de suas pernas quebrada; a areia cobre todo o lugar; a cabeça torna-se uma morfologia, mais que uma constatação. Tudo envolvendo o observador numa dicotomia de consciência na qual participa passiva e ativamente transitando ao mesmo tempo entre os universos da ficção e da realidade.

 

Em sua singular mecânica Pedro Paulo articula um diálogo em termos daquilo que Edgar Mourin salienta como “relação estética que destrói o fundamento da crença, porque o imaginário permanece como imaginário, não existindo em si uma dádiva a valores transcendentais”, uma vez que a proposta de um método possível para o entendimento do inconsciente seja aqui ironia do artista que nos remonta ao mais improvável dos casos se lembrarmos que Descartes criou seu sistema científico a partir de um sonho.

 

Poderíamos dizer que a máquina/cérebro está em relação direta com os influxos externos posteriormente organizados durante o sonho como crê a neurociência. E é exatamente aí que o artista interroga as bases dessa assertiva ao propor uma plataforma manca em terreno arenoso. Todo o conjunto adquire uma carga instável e precária, ventilada por ambiguidades que modificam a todo instante a percepção do fino véu que cobre nossos desejos. Ao elencar seus termos que supostamente vaticinam como funciona sonhar, entendemos que sua explanação se faz prodigiosa de pensamentos aleatórios intermináveis.

 

Percebemos que suas escolhas recaem não sobre a aridez, mas sobre o profícuo campo das argumentações conceituais, ou seja, o continuum da criação. Pedro Paulo ventaneia sobre si e sobre nós reminiscências de acontecimentos, não os passados, findos, mas os presentes, permanentes, que nos contam o que é viver o sonho.

Osvaldo Carvalho

Travessa do Oriente 16ª

 

Dans la vitrine à la croisée de la rue de l’Orient et de la venelle de l’Orient,

Pedro Paulo a dressé la table,

on y sert un vent continu, mécanique aliment des songes.

Insatiable est la tête voilée du bleu nuit des hommes du désert.

Au sol justement le désert ondule délicat , irrégulier,

les pieds de la table s’enfoncent légèrement dans cette douceur de sable,

puis le regard se brise sur un pied, gisant là, depuis toujours semble-t-il,

comme nos rêves d’Orient…

Nicole Pegeron

O sonho representado por um turbilhão de ar mecanicamente produzido vai de encontro a um rosto coberto por um fino tecido que se mantém na posição graças a pressão exercida pelo vento. 0s dois elementos – ventilador e cabeça – estão sobre uma mesa e quase soterrados por um monte de areia.

 

O vento age como um pneuma que expõe a cabeça semi enterrada. O tecido fino funciona como um elemento que filtra, embaralha e deixa passar para o cérebro apenas parte do sonho que é produzido no ventilador. Ele age também como ator que tem o poder de mover a areia, modificando constantemente sua forma e de certa forma embaralhando as imagens que ficam na memória ao acordar.

 

Apenas uma cabeça emergindo da areia pressupõe a existência de um corpo sendo que o corpo não está conectado a cabeça pois ela está sobre uma mesa, mas há não necessidade desta conecção pois a matéria aqui é sonho.

 

O piso da vitrine também está coberto por uma camada de areia. A mesa que sustenta o monte de areia, o ventilador e a cabeça tem uma de suas pernas quebrada para reforçar a idéia de instabilidade do sonho.

Pedro Paulo Domingues

Abril 2011

RODAS

Ao contrário do que possam sugerir as aparências imediatas, as esculturas de Pedro Paulo Domingues não fazem referência direta, nem são uma apropriação da Roda de Bicicleta, este ícone artístico com que Marcel Duchamp inaugurou a noção de máquina celibatária no século XX.  A obra de Duchamp, com toda sua fina ironia, nos fala de uma engenhoca que não funciona, porque não foi feita pare funcionar (ou, melhor, foi feita para não funcionar): nada produz, portanto para nada serve.  Seus “atributos de funcionamento” são nulos, vazios.  É no exato oposto que Pedro Paulo está interessado, em construir um discurso menos com o objeto do que com seus atributos específicos.  Pode ser, como já foi o caso, a capacidade de sucção de desentupidores de pia.  No caso atual, interessam menos as rodas de bicicleta em si mesmas do que em sua possibilidade de sugerir movimento.

 

É claro, sendo fundamentalmente obras sem energia própria, elas permanecem estacionárias exceto quando impulsionadas a partir do exterior.  E um objeto cujo atributo permaneça apenas virtual não chega exatamente a cumprir seu destino.  Há nesse caso naturalmente, ironia: especialmente quando o movimento sugerido pela imobilidade das três rodas de bicicleta é o movimento em torno... de si mesmas.  Trata-se aí, de uma tentativa de propor uma visão improdutiva, de esterilidade.  Afinal, o que sustenta estes trabalhos é a sensação de movimento, ainda que apenas possível, virtual, pertencente ao reino da fantasia.  É imaterial se elas se movimentam ou não de fato: o principal é que elas possam e deixem transparecer esta possibilidade ao olhar.  Este, sim, o olhar o objeto último de toda a atividade artística e, de todas, a menos improdutiva das máquinas, celibatárias ou não.

 

Reynaldo Roels Jr.

Rio, junho de 1990

PALAVRAS AO VENTO

   Sílabas  Eólicas  ou  Silabada  de  Éolo

 

 

                uma performance de Pedro Paulo Domingues

 

 

 

ação        Um coro de 12 vozes manipuladas por um maestro que através

                     de um teclado acende um par de  luzes ao nível de cada olho,

                     como antenas de insetos-falantes recitando fragmentos do

                     Manifeto Dadaísta de Tristan Tzara.  A fita magnética  acoplada a

                     um rústico gravador de rolo que grava o concerto não é

                     recebida em outro carretel e sobra solta à ação de um

                     aparelho ventilador que sopra a fita ao seu sabor, um homem

                     com luvas e uma tesoura de jardineiro tenta cortar a fita no ar.

 

razão          Domingues  projeta sua arquitetura para os quatro cantos em

                     ventos. Evento sublime da razão, seu traço esculpe o ar em

                     delicados movimentos moleculares que só percebemos salvo

                     sua ciência não resvalasse em nosso entendimento poético.

 

                    

emoção            Um coro seco de vozes luminares, ditas assim

                            monocórdiamente como fragmentos de um discurso

                            amoroso. Como o poema sonorista do dadaísta Raoul

                            Haussmann, que em suas palavras eólicas, “seria uma

                            combinação da respiração com o ato de articular,

                            inseparável de um determinado lapso de tempo: a

                            respiração bem como o som a ser produzido devem, como

                            elementos de expressão, exercer um papel criador durante

                            a apresentação do poema sonorista”. Haussmann também

                            exercitava “poemas optofonéticos” para serem lidos como

                            partitura musical. Sigo este princípio do canto e entoo

                            optofonéticamente :   [ pigarro ] 

 

                                                                             (canto de guerra para a performance)

 

 

 

 

Dada   umforma  específica  de 

               Ímpeto             

                      Dada

uma  rmula    estilística   

           do   Impasse

Dada  uma    força           

                 estendida         

 

no       

 

            impacto

 

 

Miriam Ash    Rio de Janeiro  novembro  2004

VÊNUS

Vênus, deusa poderosa, feminina, bela.  Sereia envolvente, misteriosa.

 

Cabelos longos.  Transparências.  Barra dourada: imã chamando suas presas, e ela retida no canopo de vidro.

Mergulhada na profundeza do sonho, cerceada, lacrada em seu ataúde expande seus fluidos e convida com vida.

Na maciez de seus mistérios, quase escapando, escorrega seu torso pela outra extremidade segura ainda pelo desejo.

Reproduzida ao infinito a Vênus expande sua imagem com leveza e graça nas transparências sutis de seu âmago secreto.

 

Pedro Paulo Domingues retoma assim as esculturas orgânicas com força e poesia.  A mulher na ótica do artista, poderosa e frágil está ainda mergulhada nas raízes ancestrais de submissão sem total escape.  Mesmo dominante está amarrada à renovação, aprisionada pelo desejo.

 

Rio, março 1992

Esther Emilio Carlos

QUATRO VENTOS

UM FLUXO CONTÍNUO DO AR DOS QUATRO CANTOS

DO MUNDO

SUL-NORTE

OESTE-LESTE

CRIANDO UMA REGIÃO DE CONFINAMENTO

DE UMA ENERGIA INVISÍVEL

PRODUZINDO UMA IMAGEM VIRTUAL QUE SE REPETE

INFINITAMENTE

PROGRESSIVAMENTE DECRESCENTE

IMPOSSIVELMENTE CONCRETA.

 

A ABSTRAÇÃO DO ABSTRATO QUE,

NA SUA CONTÍNUA REPETIÇÃO,

INVENTA UM CAPACITOR DE DIFUSA E TÊNUE

PRESSÃO,

MAIS ABSTRATO QUE A PRÓPRIA

ABSTRAÇÃO.

 

UMA TURBULÊNCIA SURDA,

COMPOSTA POR UM MOVIMENTO

CONTÍNUO

DESORDENADO

DE ENTIDADES MOLECULARES

IMPERCEPTÍVEIS,

APRISIONADAS NUMA REGIÃO REAL

DE UM GÁS IMACULADAMENTE TRANSPARENTE,

EXPLODINDO PARA UM ESPAÇO

VIRTUAL

QUE SE REALIZA NO PENSAMENTO.

UM ESPAÇO DA INEXISTÊNCIA,

REFLEXO DESTA REALIDADE PALPÁVEL.

ESPAÇO CONSTRUÍDO COM O AUXÍLIO

DE UM APARATO ELETROMECÂNICO;

 

 

                                  

 

 

 

                       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NÃO HÁ NADA

MAS ESTE NADA

SE MULTIPLICA

E SE TRANSFORMA.

NÃO HÁ NADA.

SOMENTE UM NADA PRODUZIDO POR UM ARTEFATO

MECÂNICO, CONCRETO, ELÉTRICO,

MOVIMENTO E TRANSFORMAÇÃO.

MÁQUINA SIM.

MAS MÁQUINA DE QUE?

 

PRESSÃO, ENTROPIA,

CAOS.

 

BASES CONCEITUADAS DE UM INVISÍVEL QUE SE

REALIZA

CONCRETAMENTE

E QUE PELA EXPLOSÃO VIRTUAL

DOS ESPELHOS PLANOS

VENCE A BARREIRA DO IMPERCEPTÍVEL

PARA ALÇAR A UM PLANO DE NOÇÕES

ABSTRATAS

SUBJETIVAS:

SUTILEZA, INVISIBILIDADE,

VIRTUALIDADES, PENSAMENTOS.

 

ENGANO DOS APARELHOS SENSÓRIOS.

ENERGIA QUE NÃO TRABALHA.

MÁQUINA QUE NÃO PRODUZ.

DESORDEM QUE NÃO PERTURBA.

 

                                  Rio, abril 1992

                        Henrique Lins de Barros

 

MONUMENTO A LAS VICTIMAS

DEL TERRORISMO DE ESTADO

EN LA ARGENTINA

 

Trata-se de um buraco cavado no çhão, profundo e estreito como um poço, com a parede interna de tijolos maciços sem revestimento. Ele tem 15,00 metros de profundidadee 1,20 metros de diâmetro e será cavado no terreno gramado destinado às esculturas. Ao lado há um monte de terra, a terra retirada do seu interior, este monte tem um aspecto de terra bruta, como se o buraco tivesse sido cavado há pouco tempo. No fundo do poço há um potente holofote direcionado para o alto, para fora. Quando aceso o intenso facho luminoso ilumina a parede do buraco e cria uma coluna de luz que escapa em direção ao espaço. Do lado de fora, além do monte de terra, há uma estrutura de ferro, o braço de um guindaste,  com uma das extremidades apoiada no solo e inclinada em relação a ele. A extremidade que fica no alto sustenta uma calota de aço espelhado que está suspensa por um cabo de aço a cerca de 10,00 metros do solo, exatamente acima do buraco. Como a calota tem uma superfície convexa e espelhada voltada para o buraco, ela recebe toda a luz gerada pelo holofote e a reflete em quase todas as direções. O observador que olhar para a calota verá um ponto de luz nítido e forte refletido nela e, a medida que caminha este ponto se desloca pela superfície da calota acompanhando-o.

 

Ao projetar a escultura, pensei em utilizar um elemento que traduz com bastante força a idéia de repressão e confinamento que é o buraco, um poço profundo com a parede bruta, sem acabamento. A terra amontoada ao lado demonstra que ele foi recentemente aberto , foi como que destampado com o auxílio de um guindaste e escavado até que fosse encontrado no fundo um manancial luminoso projetando para fora um raio de luz que vai atingir a calota, espalhando-se em todas as direções. Para sustentar a calota espelhada pensei em uma forma que lembrasse um guindaste, uma máquina robusta e potente, que desse a idéia de trabalho em andamento, de obra ainda inacabada. Esta idéia é passada tanto pelo guindaste como pelo monte de terra ao lado do poço.

Pretendi com este trabalho falar da força dos homens, mulheres e crianças que a ditadura apesar de fisicamente tê-los assassinado não conseguiu esconder, sufocar, afogar e que agora reaparece nítida, forte, luminosa e exuberante, espalhando-se em muitas direções.

 

Pedro Paulo Domingues

maio/99 

TEMPO

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We shall not cease from exploration

and the end of all our exploring

will be to arrive where we started

and know the place for the first time.

Through the unknown, remembered gate

when the last of the earth to discover

is that which was the beginning.

 

T.S. Eliot    

Four Quartets IV, 239-245

 

 

            Que posição tomar ao penetrarmos neste intrincado cristal?  Como entrar, se a entrada pressupõe movimento, e estamos diante de um labirinto no tempo?  Poderemos errar, poderemos hesitar no primeiro passo, e nos perder?

Aqui nesta obra anuncia-se não o juízo, mas a Perda.

Estamos aqui, diante de uma sequência de significantes e metáforas, convergindo para o ponto exato de comunhão entre movimento e repouso, entre iluminação e trevas, entre passagem e regresso.

            Pedro Paulo Domingues constrói um intrincado e frágil labirinto, com seus andaimes e colunas temporais, que se desdobram e se revelam em cada movimento.  E, cuidado!, diante desta matriz de possibilidades, um passo representa o abismo da escolha, cada palavra enunciada uma inevitável separação.  Falas e não ouvirás a ti mesmo: aquele que enuncia já não está mais aqui.  Tudo converge, jogo e vazio do jogo, começo e fim, para o exato limite que és.  Estás diante de solo sagrado, diante da matéria em que és criado e perdido.

Lázaro vem para fora!

POSTE

 

[ uma dissecação ]

poste, elemento totêmico

obelisco.

na impossibilidade de decifrar-te

 disseco-te.

O poste sempre foi o suporte das obras expostas na galeria que leva seu nome.

 

Nesta exposição não será suporte mas o objeto principal da mostra, como uma homenagem ao elemento inspirador do trabalho.

 

Ele estará dentro e fora da galeria.

 

O poste na rua terá sua superfície coberta por algumas janelas que se abrirão como radiografias de suas entranhas.

 

Na galeria será feita sua dissecação formal onde cada elemento componente do todo será mostrado independentemente.

 

Na rua ele estará cumprindo sua função mas haverá áreas como que transparentes mostrando seu âmago/esqueleto.

 

Na galeria ele estará dissecado e estendido em uma mesa. Suas entranhas serão exibidas, sua estrutura interior será mostrada em cada detalhe, como se faz a um cadáver à procura da causa mortis. A procura aqui é outra, é a procura dos elementos fundamentais à existência do objeto contemplado. Ao ser explodido alegoricamente e mostrar as matérias do todo, ele se transforma e assume a posição de musa apesar de não existir mais como objeto.

P.P. Domingues

Março 2003

.CONFIGURA 2            Dialog der Kulturen        Erfurt  1995

 

 

O NOSSO MUNDO É CRIADO POR ARTISTAS

 

 

O NOSSO ARTISTA É CRIADO PELO MUNDO

 

O MUNDO DO ARTISTA É CRIADO NOSSO

 

O MUNDO CRIADO É NOSSO

 

O MUNDO CRIADO É NOSSO ARTISTA

 

O ARTISTA DO MUNDO É CRIADO

 

O CRIADO É NOSSO

 

O NOSSO CRIADO É ARTISTA PELO MUNDO

 

O MUNDO É CRIADO NOSSO

 

O MUNDO É DO ARTISTA

 

O ARTISTA É CRIADO

 

O ARTISTA É NOSSO CRIADO

 

O CRIADO É ARTISTA

 

O ARTISTA DO MUNDO É CRIADO NOSSO

 

O ARTISTA É CRIADO NOSSO

 

O NOSSO MUNDO É CRIADO

 

O CRIADO É NOSSO ARTISTA

 

O ARTISTA É NOSSO MUNDO

 

O ARTISTA É NOSSO

 

O ARTISTA É MUNDO

 

O MUNDO É CRIADO

 

O MUNDO É CRIADO DO ARTISTA

 

O ARTISTA É DO MUNDO

 

O ARTISTA É O MUNDO

 

O ARTISTA É.

 

 

 

                                                                                Pedro Paulo Domingues

                                                                                Rio, fevereiro 1995 

SILÊNCIO

O silêncio total acontece na ausência total da matéria.

 

Vácuo.

 

O objeto é uma pequena câmara de vácuo, onde só existe uma fina folha de ouro com a palavra “silêncio” impressa em relevo.

 

A escultura se caracteriza pela quase total ausência de matéria.  A quase não matéria está contida na redoma transparente; apenas o vácuo e o ouro - que apesar de metal, pode ser forjado em folhas com espessura de apenas alguns átomos.

 

Pedro Paulo Domingues

Rio, setembro 1996

 

CERCA DE 20 LÂMPADAS

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Considerações acerca do trabalho

 

 

 

O que faz com que algumas lâmpadas fluorescentes juntas sejam vistas como obra de arte?

 

O modo pelo qual as lâmpadas foram agrupadas dá um significado óbvio ao objeto resultante.  Ele existe como forma definida e é um estereótipo de cerca.

 

Neste caso, porém a cerca, sendo ela de que material for, não teria desenvoltura suficiente para circular em meio a obras de arte, mesmo sendo feita de materiais tão frágeis quanto o vidro, a luz e a corrente elétrica, além de que essas três matérias, dada a sua fragilidade não conferem ao objeto a função para a qual foi projetado - cercar.

 

Talvez então, ele seja reconhecido como obra de arte justamente por existir como forma e inexistir como função, acrescido pelo fato de que existe uma imprecisão quanto à sua definição - são na realidade 24 lâmpadas.

 

 

 

Pedro Paulo Domingues

Rio, setembro, 1988

BÓLIDO

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Uma pedra alada.

A pedra que nos passa a sensação de peso e imobilidade possui um par de asas de alumínio conferindo paradoxalmente a ela leveza e velocidade.

Até que ponto os atributos relativos às asas compensam ou anulam os relativos à pedra?

Ou será vice-versa?

As asas são capazes de transformar um monolito em um bólido? De fato não, poeticamente sim.

O Bólido, que está repousando sobre a grama, com suas asas abertas dá a impressão de estar prestes a alçar voo.

PPDomingues março 2014

PRINCÍPIO DA PAIXÃO

 

Duas instalações oscilantes

 

Pedro Paulo Domingues é um artista que oscila. É capaz de produzir obras de boa e má qualidade. Esse fato mais uma vez se repete nas duas instalações que apresenta no espaço alternativo do Ibac. Sob o título “Princípio da Paixão”, estes dois trabalhos dão continuidade a um projeto mais amplo em que tem buscado desvendar visualmente o misterioso e atraente universo da paixão.

 

Na história recente das artes, o tema paixão associada à sua pulsão sexual tem sido tem sido explorado pelo surrealismo. Este movimento propõe uma transposição das conquistas da psicanálise para as artes plásticas. Como o discurso psicanalítico é fundamentalmente cravado pela palavra, o surrealismo absorve a densidade descritiva e a intensidade simbólica do verbo. Em outras palavras, com o surrealismo as artes visuais perdem suas características primordiais, que são a de ser indicativa, ou seja, de bastar a presença pura e simples da imagem. Passa a ocorrer um excesso de conteúdo que mascara a forma.

 

É aí que surpreendemos a oscilação de Pedro Paulo Domingues. Quando se deixa levar excessivamente pelo conteúdo simbólico dos objetos que escolhe para montar sua instalação, a forma enfraquece. Esse é o caso da obra que se encontra na sala mais ao fundo, em que mistura areia, pano vermelho, espelho, anzol e cabelo. Trabalha com a saturação de significados implícitos nesses objetos sem deslocá-los do nível do conceito para o da imagem. O resultado é óbvio e evidente: espelho/narciso, cabelo/fetiche, anzol/conquista, pano vermelho/pomba-gira. A obviedade do símbolo achata a sutileza da forma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas qual não é a surpresa, quando observamos que nada disso acontece na outra instalação. Apesar de trabalhar com quase todos os mesmos elementos (tirando o cabelo e acrescentando uma rede de pesca azul) a orquestração que impõe às formas faz nascer um sentimento solene, suspenso e paralisado, que reproduz o magnetismo da paixão. Cria uma densidade no ambiente que é intraduzível ao nível das palavras, mas que é colada da forma; da força impositiva da imagem. A tule vermelha, presa por uma infinidade de anzóis parece levitar na sala. Mas o fantástico é que não é uma coisa molenga, como se poderia esperar de um pano. Ao contrário, parece sólido como um corpo e leve e denso como o isopor.

Marcio Doctors

O Globo 08 Abril 1991

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Ligações etéreas. Ligações efêmeras, ligações sexuais, ligações perigosas. Ligamento, ligadura, liga. Ligações coordenadas, covalentes, dativas, duplas. Ligação em paralelo. Ligação direta. Elétrica. Ligação simples. Ligação. Tudo que liga desliga. Fluxos e refluxos. Contrafluxos.

 

Duas esculturas conectadas. Uma única estrutura. Instalação. Vínculo, junção.

 

Fique ligado: tudo está interligado. “É como se o bater das asas de uma borboleta no Brasil causasse, tempos depois, um tornado no Texas.”[1]

 

Liame. Certame.

 

Os sistemas tendem ao caos. Entropia.

 

Contudo…

O olhar organiza tudo. Harmoniza.

 

É como conciliar um enorme obelisco negro e flutuante com um grande tubo prateado e emaranhado que emana luz.

 

Sendo explícito: é tudo sobre sexo (não fosse por ele, a grande maioria de nós não estaria aqui).

Corpos ainda se atraem, energias e fluidos continuam a ser trocados. Relações.

O trabalho “Ligações etéreas” é uma espécie de analogia – não uma representação – a esse respeito. Mas não só. Se Pedro Paulo Domingues tivesse feito uma peça literária, eu diria que tinha usado uma metáfora. Possivelmente, semelhante à do iceberg: há muito mais coisas abaixo da superfície, que estão além do que os nossos olhos conseguem ver. Isso, também, uma metáfora.

 

O que vemos é uma conexão (por meio de cordões de lã) entre duas entidades, uma flexível e a outra, rígida. Qual está atraindo (capturando) qual eu não consigo afirmar com precisão.

A pesada e opaca parece sobrevoar a leve, que está pousada no chão e emite uma luminescência. O objeto fálico e rijo recebe a carga (ele a absorve; devolve; troca?) que surge das entranhas/reentrâncias da tubulação maleável. A peça de baixo é a geradora de uma luminosidade interna cintilante. Ela é oca, não obstante repleta de energia pulsante, que transmite à outra. Algo mais que fios as conecta. As linhas que unem as duas partes fazem uma espécie de ligação luminosa/libidinosa. Comunicação? Acupuntura energética? Sexo tântrico?

 

Masculino e feminino (conceitos em desconstrução)? Não ouso dizer.

 

Já nas fotografias da série “Fricções”…

Interpenetração. Visual. Real. Virtual. Seres hermafroditas. Autofelação. Masturbação. Tudo isso e nada disso. O olhar penetra.

 

Quem penetra quem? Tensão/tesão no ar.

 

Erotismo. Desordem?

 

Desobediência; insubmissão; insubordinação. Amor livre. Eu já disse que se trata tudo de sexo? Mas não só.

 

Há uma profusão visual, que gera a dúvida quanto ao número de corpos em cada cena. Quanto menos informação no sistema, maior a entropia. Porém, mais uma vez, tudo se organiza pela visualidade.

O artista dá a ver, o texto crítico não é capaz de traduzir em palavras (nem é para isso). Apenas explicito a minha visão. Mesmo que não tão clara, ou rígida. Talvez tão intangível quanto a obra. Ambas estão aí para a livre fruição.

 

André Sheik, dezembro de 2017.

 

[1]     Edward Norton Lorenz, matemático e meteorologista, em sua “Teoria do Caos”.

LIBIDO

A sexualidade está no centro da redefinição crucial do humano pelo pensamento freudiano. Na instalação Libido (O que somos) de Pedro Paulo Domingues, masculino e feminino – modulações poéticas do desejo – se confundem na trama entre o real e o imaginário. Possuir um corpo é estar apto ao amor erótico e poder sentir, nesse corpo, a intensidade do toque – suas flutuações e escândalos. Porém, Eros é ao mesmo tempo solar e noturno: todos o sentem mas poucos o vêem. Para desafiar a luminosa cegueira da libido a sala vermelha acolhe uma descarnada epifania.

 

Um cérebro sem corpo está sobre o chão. Como uma base de lançamento, onde tudo começa, projeta linhas de força que atravessam alguns obstáculos. Através de películas complacentes e por meio de diversos condutores que criam um mecanismo absurdo, o feixe gerador se irradia. O que se vê são apenas rastros, linhas, posições, partes. Suspenso no espaço e no tempo, o desejo é reconsiderado como fluxo energético em expansão cujas linhas formam uma espécie de mapa tridimensional, um esquema em que diversos objetos-órgãos são ativados ao mesmo tempo. Como sugere o pensamento deleuziano, aqui as linhas são elementos constitutivos das coisas e dos acontecimentos; cada elemento tem sua cartografia, seu diagrama.

 

Anzóis fisgam o fluido seminal coagulado. Uma vez disparado, esse fluxo segue seu curso. Os fios condutores de força riscam o espaço por onde se reproduzem. Cruzam a galeria até o alvo: um ambivalente órgão receptor que, na diagonal oposta, se contrapõe à posição do cérebro-disparador. Vestígios da libido movimentam um jogo de correlações e espaços que não fecham um contorno.

 

Os limites do presente nos posicionam entre indagações desafiadoras quanto ao princípio da vida e à transcendência da morte. Libido (O que somos) se inscreve em uma série de trabalhos de Pedro Paulo que buscam, desde a década dos 1990, uma aproximação com essa ordem de questões que não se esgotam, nem admitem respostas categóricas. Ele as enfrenta por meio de diferentes estratégias. Para onde vamos? instalação apresentada pelo artista em 2008 no espaço Durex, atraía o observador para o centro vazio de um nicho de cortinas giratórias. Em seu movimento hipnótico, o lançava novamente para fora. A dúvida transcendental é enfrentada por meio desta máquina de mostrar e esconder.

 

Pedro Paulo Domingues repõe um dos dilemas comuns à arte e ao desejo: no transito entre o real e o imaginário, ambos duelam com o tempo. Talvez por isso haja, neste trabalho,  um caráter de celebração. Sua presença imóvel e silenciosa deixa entrever o instante fugaz em que a libido dissolve ou embaralha os contornos dos gêneros. E reabre a pergunta: o que somos?

 

Luiza Interlenghi

fevereiro 2010

 

LIBIDO ou DE ONDE VIEMOS

 

O trabalho é uma instalação que trata a libido como uma secreção psíquica ou um fluido cerebral.

 

Ele é composto por uma espécie de língua fina e translúcida, quase transparente de silicone com 8 metros de comprimento que fica suspensa do teto por dezenas de anzóis presos a fios de lã e atravessa todo o espaço da galeria. Esta membrana é ancorada ao piso por pequenos objetos semi-ocultos que na sua forma remetem vagamente a testículos, óvulos ou espermatozóides.

 

O trabalho ocupa todo o espaço de uma das galerias, que terá as paredes pintadas de vermelho.

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma das extremidades deste conjunto encontra-se a uma distancia do piso equivalente a altura da genitália e, possui uma pequena inclinação em relação ao solo, sendo que este ângulo se aproxima do ângulo do pênis ereto.

 

Estes dois elementos estão suspensos por 30 anzóis. Cada um dos anzóis está preso por um fio de lã branca sendo que este fio percorre um trajeto que parte do chão, sobe e passa sobre um cabo de aço, (que atravessa a sala próximo ao teto no sentido longitudinal) desce e passa pelo anzol, volta ao alto, passa sobre outro cabo de aço, paralelo ao primeiro, e volta ao chão do outro lado do conjunto membrana / espiral. Este trajeto forma no espaço um desenho em forma de M.

 

 

 

 

 

 

 

Em cada uma das extremidades do fio de lã que toca o piso ele, o fio, produz um amontoado disforme que cobre dois objetos em forma de ovos que por sua vez são cobertos por uma pequena manta de silicone transparente que tem a textura do saco escrotal.

 

 

 

 

 

 

No chão, próximo à parede e perto de uma das extremidades da grande membrana há um cérebro em tamanho real de silicone branco.

Sobre o cérebro e apoiado na parede e no piso em um ângulo de 45°, há uma tela de seda transparente.

Há uma outra tela na posição vertical, pendurada do teto, defronte da membrana e de topo em relação a esta.

Na outra extremidade da sala e também de topo em relação à membrana há três outras telas paralelas entre si.

 

 

 

 

 

 

 

 

Partindo do cérebro saem vários fios de linha prata metálica que atravessam a primeira tela em vários pontos formando o desenho de um círculo. A partir destes pontos, os fios atravessam a segunda tela, desta vez em apenas um ponto. Continuando o trajeto, eles penetram na espiral de cobre que está envolta pela membrana e a atravessam em toda sua extensão (8 m) até atingirem a outra extremidade. Ao despontarem do outro lado, os fios continuam o trajeto no ar até atingirem a primeira das três telas paralelas entre si. Após atravessarem a ultima tela, continuam em direção à parede e atravessam um pequeno objeto de cerâmica branca, que está fixado à parede.

 

PPDomingues março 2010

ASCENSÃO

E QUEDA

SOBRE AS VERDADES FRÁGEIS

 

 

 “A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia já o mavioso nome de Iracema. Tudo passa sobre a terra.”

“Iracema”, José de Alencar

 

A produção de Pedro Paulo Domingues dialoga com o experimentalismo e a pop arte brasileira, regida pela ironia, pela provocação estética e pela apropriação de vários materiais. Ao entender a arte como um exercício de reflexão sobre o real através da criação de paradoxos que questionem os limites do real e do imaginário, ele dialoga  com os ready mades de Duchamp e com a clareza construtiva de Waltercio Caldas. Fiel a Nietszche, ele entende o artista como ponte entre os tempos, elaborando discursos e ações que fazem do ser humano o agente da transformação, o Demiurgo dos mistérios e das diferenças, o agente que toma para si a função de re-fazer o mundo.

 

As obras de Pedro Paulo têm esse mistério permanente, essa imanente verdade: elas nos falam de encantamentos reais, experimentados e sentidos no âmbito da vida contemporânea ao mesmo tempo em que são portadoras de um manto de eternidade, de algo arquetípico que de imediato dialoga com nossos pensamentos e nossas certezas.

Por isso há algo nelas que oscila como um pêndulo entre a beleza e a melancolia, entre a estática e o movimento, entre a brincadeira e a sobriedade, entre aquilo que foi e o que sempre será.

 

            A escultura se funda através dos totens, erigidos para identificar grupos sociais e traços culturais comuns; os obeliscos são elementos urbanos decorrentes desse primeiro ímpeto de poder e verticalização da forma. Para essa exposição, o artista propõe uma sensível e envolvente metáfora sobre as ascensões e as quedas, sobre o poder e sua fragilidade, sobre o silêncio dos homens e o uivo dos coiotes, sobre a vida e sobre a arte em sua essência primordial, bela e trágica em seu mistério, em sua beleza.

Marcus de Lontra Costa

Rio. maio. 2012

 

INFINITO

 

 

Iludido o córtex em seu nó, líquido o Pneuma invade

indiferente a paralisias e rápido imobiliza as sete densidades

que encontram discreções nos dois lóbulos do signo.

Já não é mais, pois advém o terral.  Alísios do imenso

coleóptero são também anjos que cercam de Santa Luzia

os olhos.  Nervoso o moinho delapida ao mesmo tempo exaustão

e o vento.  “Bela é a luz e do que dela resulta”.

Lembrar-se de Siracusa é também tarefa de tal aeolito,

o que paira sobre as águas.

 

Tunga

 

CAMA

O interesse pelo rastro deixado pelos objetos no imaginário humano; combinações inesperadas que os transformam em entidades compósitas, em esfinges contemporâneas.

 

Pedro Paulo Domingues aproveita-se de tecnologias para poetizar elementos teórico-conceituais da ciência, materializando a tênue fronteira entre o visível e o invisível, entre olhar, tato e audição.

 

Na cama com a superfície coberta por ventiladores, ecoa a roda de bicicleta sobre o banco Duchampiano.  A operação que apropria a forma anula ao mesmo tempo a função.  Há aqui um dado novo: o do movimento contínuo das hélices que suaviza a visão agressiva das pás.  Soma-se o ruído hipnótico da máquina que refresca e convida ao descanso impossível.

 

O ar que se agita, amplia o campo de trabalho para uma região invisível, mas captável por sentidos secundários para a razão.  Ao corpo é permitido sentir o fluxo do vento, ouvir o barulho em ritmo incessantemente repetido e observar a cegueira da visão.  Repetição que se faz continuamente, enquanto sua fonte objetiva seguir funcionando.

Fernando Chocchiarale

Rio, março de 1993

 

DESLOCAMENTOS

Pedro Paulo faz do excesso de adornos do espaço físico, o principal elemento para a discussão plástica e conceitual da sua obra.

... Ele duplica a imagem de pedaços das sancas, adornos das arestas da sala, teto, chão e rodapés, em estruturas translúcidas que refletem essas partes da arquitetura. O chão plano ganha tridimensionalidade com sua imagem duplicada num backlight. Ausência e presença, a memória  é evocada na projeção do detalhe de uma porta fechada/aberta. Na instalação de Pedro Paulo há um respiro fantasmagórico, que atenta para a questão da passagem do tempo.

Daniela Labra

julho 2004

 

LABIRINTO

Labirinto de Pedro Paulo Domingues requer a presença física do espectador em contato direto com a obra. O labirinto de vidro transparente a ser construído no Museu do Açude pode ser percorrido pelo público, que terá uma visão totalmente desobstruída do seu interior, assim como da paisagem a sua volta. Com o artifício da transparência e o desenho das paredes em labirinto a obra desorienta quem se aventura a percorre-la.

 

Por se tratar de um labirinto totalmente transparente, o público que se encontrar do lado de fora terá uma visão nítida do que ocorre em seu interior, podendo observar a dificuldade de quem o percorre em achar o percurso correto para a saída.   Na entrada a quem se interessar, poderá ser dado um fio a ser desenrolado durante o percurso, caso tenha dificuldade em encontrar a saída, podendo voltar pelo caminho já percorrido.

 

Se esta escultura penetrável retoma a tradição participativa da arte brasileira, vencida a distância histórica, Pedro Paulo desloca o sentido sensorial de Hélio Oiticica. Em Labirinto o envolvimento físico implica simultaneamente em experimentar e em ser observado. E, ainda, em experimentar o labirinto observando todo o espaço: o da própria obra e o da paisagem em que se situa. A natureza da visão em Labirinto abre-se, intensamente, para a vertiginosa observação através das paredes do labirinto.  A noção de transparência que intimida é anunciada por Cildo Meireles na obra Através (1983) em que o observador é levado a caminhar sobre cacos de vidro, entre grades e superfícies que o olhar atravessa, mas, diante das quais o corpo tem que recuar.

 

Pedro Paulo Domingues comenta, criticamente, o paradoxo entre a transparência e o sentido de liberdade. Nesta construção erguida com paredes de vidro, o alcance da visão não confere direção nem assegura plena mobilidade ao corpo. Não há equivalência mas conflito entre transparência e liberdade. Transposto para o campo da arte, este paradoxo aponta para as relações que se estabelecem entre a obra, o espectador e os espaços institucionais – ambas instâncias que o sujeito é levado a percorrer sem qualquer garantia de que encontrará qualquer saída.

 

A pressão do espaço da obra sobre o espectador está no centro de um penetrável anterior de Pedro Paulo. De onde viemos, para onde vamos? (2008), formado por cortinas que bloqueiam a visão, enquanto movem-se constantemente em dois semi-círculos de direções opostas, provoca desorientação. Aparentemente oferecendo uma fenda de passagem o mecanismo atrai o visitante para seu interior. Uma vez penetrado o espaço – sempre em movimento – induz, pela instável opacidade das cortinas, a sair.

Luiza Interlenghi      julho 2009

 

A MECÂNICA DO SONHO

Entre realidade e ficção

 

 

Para a psicologia analítica de Jung a interpretação do sonho é a sua chave mestre, pois é daí que o consciente recebe informações do inconsciente, ao contrário de Freud que entende o absurdo do sonho como uma fachada para o desejo contido.

 

A Mecânica do Sonho, trabalho apresentado por Pedro Paulo Domingues para esta Vitrine Efêmera reflete-se entre esses dois momentos: um que fala diretamente como forma, expresso em matéria, e outro, menos óbvio, que trata do conteúdo visionário inerente ao artista. Usando de uma conjugação de variáveis em que encontramos areia, mesa, ventilador, um pano cobrindo uma cabeça, percebemos detalhes que transpõem o mero acaso para se inserirem na contundência de observações. A mesa tem uma de suas pernas quebrada; a areia cobre todo o lugar; a cabeça torna-se uma morfologia, mais que uma constatação. Tudo envolvendo o observador numa dicotomia de consciência na qual participa passiva e ativamente transitando ao mesmo tempo entre os universos da ficção e da realidade.

 

Em sua singular mecânica Pedro Paulo articula um diálogo em termos daquilo que Edgar Mourin salienta como “relação estética que destrói o fundamento da crença, porque o imaginário permanece como imaginário, não existindo em si uma dádiva a valores transcendentais”, uma vez que a proposta de um método possível para o entendimento do inconsciente seja aqui ironia do artista que nos remonta ao mais improvável dos casos se lembrarmos que Descartes criou seu sistema científico a partir de um sonho.

 

Poderíamos dizer que a máquina/cérebro está em relação direta com os influxos externos posteriormente organizados durante o sonho como crê a neurociência. E é exatamente aí que o artista interroga as bases dessa assertiva ao propor uma plataforma manca em terreno arenoso. Todo o conjunto adquire uma carga instável e precária, ventilada por ambiguidades que modificam a todo instante a percepção do fino véu que cobre nossos desejos. Ao elencar seus termos que supostamente vaticinam como funciona sonhar, entendemos que sua explanação se faz prodigiosa de pensamentos aleatórios intermináveis.

 

Percebemos que suas escolhas recaem não sobre a aridez, mas sobre o profícuo campo das argumentações conceituais, ou seja, o continuum da criação. Pedro Paulo ventaneia sobre si e sobre nós reminiscências de acontecimentos, não os passados, findos, mas os presentes, permanentes, que nos contam o que é viver o sonho.

Osvaldo Carvalho

Travessa do Oriente 16ª

 

Dans la vitrine à la croisée de la rue de l’Orient et de la venelle de l’Orient,

Pedro Paulo a dressé la table,

on y sert un vent continu, mécanique aliment des songes.

Insatiable est la tête voilée du bleu nuit des hommes du désert.

Au sol justement le désert ondule délicat , irrégulier,

les pieds de la table s’enfoncent légèrement dans cette douceur de sable,

puis le regard se brise sur un pied, gisant là, depuis toujours semble-t-il,

comme nos rêves d’Orient…

Nicole Pegeron

O sonho representado por um turbilhão de ar mecanicamente produzido vai de encontro a um rosto coberto por um fino tecido que se mantém na posição graças a pressão exercida pelo vento. 0s dois elementos – ventilador e cabeça – estão sobre uma mesa e quase soterrados por um monte de areia.

 

O vento age como um pneuma que expõe a cabeça semi enterrada. O tecido fino funciona como um elemento que filtra, embaralha e deixa passar para o cérebro apenas parte do sonho que é produzido no ventilador. Ele age também como ator que tem o poder de mover a areia, modificando constantemente sua forma e de certa forma embaralhando as imagens que ficam na memória ao acordar.

 

Apenas uma cabeça emergindo da areia pressupõe a existência de um corpo sendo que o corpo não está conectado a cabeça pois ela está sobre uma mesa, mas há não necessidade desta conecção pois a matéria aqui é sonho.

 

O piso da vitrine também está coberto por uma camada de areia. A mesa que sustenta o monte de areia, o ventilador e a cabeça tem uma de suas pernas quebrada para reforçar a idéia de instabilidade do sonho.

Pedro Paulo Domingues

Abril 2011

RODAS

Ao contrário do que possam sugerir as aparências imediatas, as esculturas de Pedro Paulo Domingues não fazem referência direta, nem são uma apropriação da Roda de Bicicleta, este ícone artístico com que Marcel Duchamp inaugurou a noção de máquina celibatária no século XX.  A obra de Duchamp, com toda sua fina ironia, nos fala de uma engenhoca que não funciona, porque não foi feita pare funcionar (ou, melhor, foi feita para não funcionar): nada produz, portanto para nada serve.  Seus “atributos de funcionamento” são nulos, vazios.  É no exato oposto que Pedro Paulo está interessado, em construir um discurso menos com o objeto do que com seus atributos específicos.  Pode ser, como já foi o caso, a capacidade de sucção de desentupidores de pia.  No caso atual, interessam menos as rodas de bicicleta em si mesmas do que em sua possibilidade de sugerir movimento.

 

É claro, sendo fundamentalmente obras sem energia própria, elas permanecem estacionárias exceto quando impulsionadas a partir do exterior.  E um objeto cujo atributo permaneça apenas virtual não chega exatamente a cumprir seu destino.  Há nesse caso naturalmente, ironia: especialmente quando o movimento sugerido pela imobilidade das três rodas de bicicleta é o movimento em torno... de si mesmas.  Trata-se aí, de uma tentativa de propor uma visão improdutiva, de esterilidade.  Afinal, o que sustenta estes trabalhos é a sensação de movimento, ainda que apenas possível, virtual, pertencente ao reino da fantasia.  É imaterial se elas se movimentam ou não de fato: o principal é que elas possam e deixem transparecer esta possibilidade ao olhar.  Este, sim, o olhar o objeto último de toda a atividade artística e, de todas, a menos improdutiva das máquinas, celibatárias ou não.

 

Reynaldo Roels Jr.

Rio, junho de 1990

PALAVRAS AO VENTO

   Sílabas  Eólicas  ou  Silabada  de  Éolo

 

 

                uma performance de Pedro Paulo Domingues

 

 

 

ação        Um coro de 12 vozes manipuladas por um maestro que através

                     de um teclado acende um par de  luzes ao nível de cada olho,

                     como antenas de insetos-falantes recitando fragmentos do

                     Manifeto Dadaísta de Tristan Tzara.  A fita magnética  acoplada a

                     um rústico gravador de rolo que grava o concerto não é

                     recebida em outro carretel e sobra solta à ação de um

                     aparelho ventilador que sopra a fita ao seu sabor, um homem

                     com luvas e uma tesoura de jardineiro tenta cortar a fita no ar.

 

razão          Domingues  projeta sua arquitetura para os quatro cantos em

                     ventos. Evento sublime da razão, seu traço esculpe o ar em

                     delicados movimentos moleculares que só percebemos salvo

                     sua ciência não resvalasse em nosso entendimento poético.

 

                    

emoção            Um coro seco de vozes luminares, ditas assim

                            monocórdiamente como fragmentos de um discurso

                            amoroso. Como o poema sonorista do dadaísta Raoul

                            Haussmann, que em suas palavras eólicas, “seria uma

                            combinação da respiração com o ato de articular,

                            inseparável de um determinado lapso de tempo: a

                            respiração bem como o som a ser produzido devem, como

                            elementos de expressão, exercer um papel criador durante

                            a apresentação do poema sonorista”. Haussmann também

                            exercitava “poemas optofonéticos” para serem lidos como

                            partitura musical. Sigo este princípio do canto e entoo

                            optofonéticamente :   [ pigarro ] 

 

                                                                             (canto de guerra para a performance)

 

 

 

 

Dada   umforma  específica  de 

               Ímpeto             

                      Dada

uma  rmula    estilística   

           do   Impasse

Dada  uma    força           

                 estendida         

 

no       

 

            impacto

 

 

Miriam Ash    Rio de Janeiro  novembro  2004

VÊNUS

Vênus, deusa poderosa, feminina, bela.  Sereia envolvente, misteriosa.

 

Cabelos longos.  Transparências.  Barra dourada: imã chamando suas presas, e ela retida no canopo de vidro.

Mergulhada na profundeza do sonho, cerceada, lacrada em seu ataúde expande seus fluidos e convida com vida.

Na maciez de seus mistérios, quase escapando, escorrega seu torso pela outra extremidade segura ainda pelo desejo.

Reproduzida ao infinito a Vênus expande sua imagem com leveza e graça nas transparências sutis de seu âmago secreto.

 

Pedro Paulo Domingues retoma assim as esculturas orgânicas com força e poesia.  A mulher na ótica do artista, poderosa e frágil está ainda mergulhada nas raízes ancestrais de submissão sem total escape.  Mesmo dominante está amarrada à renovação, aprisionada pelo desejo.

 

Rio, março 1992

Esther Emilio Carlos

QUATRO VENTOS

UM FLUXO CONTÍNUO DO AR DOS QUATRO CANTOS

DO MUNDO

SUL-NORTE

OESTE-LESTE

CRIANDO UMA REGIÃO DE CONFINAMENTO

DE UMA ENERGIA INVISÍVEL

PRODUZINDO UMA IMAGEM VIRTUAL QUE SE REPETE

INFINITAMENTE

PROGRESSIVAMENTE DECRESCENTE

IMPOSSIVELMENTE CONCRETA.

 

A ABSTRAÇÃO DO ABSTRATO QUE,

NA SUA CONTÍNUA REPETIÇÃO,

INVENTA UM CAPACITOR DE DIFUSA E TÊNUE

PRESSÃO,

MAIS ABSTRATO QUE A PRÓPRIA

ABSTRAÇÃO.

 

UMA TURBULÊNCIA SURDA,

COMPOSTA POR UM MOVIMENTO

CONTÍNUO

DESORDENADO

DE ENTIDADES MOLECULARES

IMPERCEPTÍVEIS,

APRISIONADAS NUMA REGIÃO REAL

DE UM GÁS IMACULADAMENTE TRANSPARENTE,

EXPLODINDO PARA UM ESPAÇO

VIRTUAL

QUE SE REALIZA NO PENSAMENTO.

UM ESPAÇO DA INEXISTÊNCIA,

REFLEXO DESTA REALIDADE PALPÁVEL.

ESPAÇO CONSTRUÍDO COM O AUXÍLIO

DE UM APARATO ELETROMECÂNICO;

 

 

                                  

 

 

 

                       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NÃO HÁ NADA

MAS ESTE NADA

SE MULTIPLICA

E SE TRANSFORMA.

NÃO HÁ NADA.

SOMENTE UM NADA PRODUZIDO POR UM ARTEFATO

MECÂNICO, CONCRETO, ELÉTRICO,

MOVIMENTO E TRANSFORMAÇÃO.

MÁQUINA SIM.

MAS MÁQUINA DE QUE?

 

PRESSÃO, ENTROPIA,

CAOS.

 

BASES CONCEITUADAS DE UM INVISÍVEL QUE SE

REALIZA

CONCRETAMENTE

E QUE PELA EXPLOSÃO VIRTUAL

DOS ESPELHOS PLANOS

VENCE A BARREIRA DO IMPERCEPTÍVEL

PARA ALÇAR A UM PLANO DE NOÇÕES

ABSTRATAS

SUBJETIVAS:

SUTILEZA, INVISIBILIDADE,

VIRTUALIDADES, PENSAMENTOS.

 

ENGANO DOS APARELHOS SENSÓRIOS.

ENERGIA QUE NÃO TRABALHA.

MÁQUINA QUE NÃO PRODUZ.

DESORDEM QUE NÃO PERTURBA.

 

                                  Rio, abril 1992

                        Henrique Lins de Barros

 

MONUMENTO A LAS VICTIMAS

DEL TERRORISMO DE ESTADO

EN LA ARGENTINA

 

Trata-se de um buraco cavado no çhão, profundo e estreito como um poço, com a parede interna de tijolos maciços sem revestimento. Ele tem 15,00 metros de profundidadee 1,20 metros de diâmetro e será cavado no terreno gramado destinado às esculturas. Ao lado há um monte de terra, a terra retirada do seu interior, este monte tem um aspecto de terra bruta, como se o buraco tivesse sido cavado há pouco tempo. No fundo do poço há um potente holofote direcionado para o alto, para fora. Quando aceso o intenso facho luminoso ilumina a parede do buraco e cria uma coluna de luz que escapa em direção ao espaço. Do lado de fora, além do monte de terra, há uma estrutura de ferro, o braço de um guindaste,  com uma das extremidades apoiada no solo e inclinada em relação a ele. A extremidade que fica no alto sustenta uma calota de aço espelhado que está suspensa por um cabo de aço a cerca de 10,00 metros do solo, exatamente acima do buraco. Como a calota tem uma superfície convexa e espelhada voltada para o buraco, ela recebe toda a luz gerada pelo holofote e a reflete em quase todas as direções. O observador que olhar para a calota verá um ponto de luz nítido e forte refletido nela e, a medida que caminha este ponto se desloca pela superfície da calota acompanhando-o.

 

Ao projetar a escultura, pensei em utilizar um elemento que traduz com bastante força a idéia de repressão e confinamento que é o buraco, um poço profundo com a parede bruta, sem acabamento. A terra amontoada ao lado demonstra que ele foi recentemente aberto , foi como que destampado com o auxílio de um guindaste e escavado até que fosse encontrado no fundo um manancial luminoso projetando para fora um raio de luz que vai atingir a calota, espalhando-se em todas as direções. Para sustentar a calota espelhada pensei em uma forma que lembrasse um guindaste, uma máquina robusta e potente, que desse a idéia de trabalho em andamento, de obra ainda inacabada. Esta idéia é passada tanto pelo guindaste como pelo monte de terra ao lado do poço.

Pretendi com este trabalho falar da força dos homens, mulheres e crianças que a ditadura apesar de fisicamente tê-los assassinado não conseguiu esconder, sufocar, afogar e que agora reaparece nítida, forte, luminosa e exuberante, espalhando-se em muitas direções.

 

Pedro Paulo Domingues

maio/99 

TEMPO

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We shall not cease from exploration

and the end of all our exploring

will be to arrive where we started

and know the place for the first time.

Through the unknown, remembered gate

when the last of the earth to discover

is that which was the beginning.

 

T.S. Eliot    

Four Quartets IV, 239-245

 

 

            Que posição tomar ao penetrarmos neste intrincado cristal?  Como entrar, se a entrada pressupõe movimento, e estamos diante de um labirinto no tempo?  Poderemos errar, poderemos hesitar no primeiro passo, e nos perder?

Aqui nesta obra anuncia-se não o juízo, mas a Perda.

Estamos aqui, diante de uma sequência de significantes e metáforas, convergindo para o ponto exato de comunhão entre movimento e repouso, entre iluminação e trevas, entre passagem e regresso.

            Pedro Paulo Domingues constrói um intrincado e frágil labirinto, com seus andaimes e colunas temporais, que se desdobram e se revelam em cada movimento.  E, cuidado!, diante desta matriz de possibilidades, um passo representa o abismo da escolha, cada palavra enunciada uma inevitável separação.  Falas e não ouvirás a ti mesmo: aquele que enuncia já não está mais aqui.  Tudo converge, jogo e vazio do jogo, começo e fim, para o exato limite que és.  Estás diante de solo sagrado, diante da matéria em que és criado e perdido.

Lázaro vem para fora!

POSTE

 

[ uma dissecação ]

poste, elemento totêmico

obelisco.

na impossibilidade de decifrar-te

 disseco-te.

O poste sempre foi o suporte das obras expostas na galeria que leva seu nome.

 

Nesta exposição não será suporte mas o objeto principal da mostra, como uma homenagem ao elemento inspirador do trabalho.

 

Ele estará dentro e fora da galeria.

 

O poste na rua terá sua superfície coberta por algumas janelas que se abrirão como radiografias de suas entranhas.

 

Na galeria será feita sua dissecação formal onde cada elemento componente do todo será mostrado independentemente.

 

Na rua ele estará cumprindo sua função mas haverá áreas como que transparentes mostrando seu âmago/esqueleto.

 

Na galeria ele estará dissecado e estendido em uma mesa. Suas entranhas serão exibidas, sua estrutura interior será mostrada em cada detalhe, como se faz a um cadáver à procura da causa mortis. A procura aqui é outra, é a procura dos elementos fundamentais à existência do objeto contemplado. Ao ser explodido alegoricamente e mostrar as matérias do todo, ele se transforma e assume a posição de musa apesar de não existir mais como objeto.

P.P. Domingues

Março 2003

.CONFIGURA 2            Dialog der Kulturen        Erfurt  1995

 

 

O NOSSO MUNDO É CRIADO POR ARTISTAS

 

 

O NOSSO ARTISTA É CRIADO PELO MUNDO

 

O MUNDO DO ARTISTA É CRIADO NOSSO

 

O MUNDO CRIADO É NOSSO

 

O MUNDO CRIADO É NOSSO ARTISTA

 

O ARTISTA DO MUNDO É CRIADO

 

O CRIADO É NOSSO

 

O NOSSO CRIADO É ARTISTA PELO MUNDO

 

O MUNDO É CRIADO NOSSO

 

O MUNDO É DO ARTISTA

 

O ARTISTA É CRIADO

 

O ARTISTA É NOSSO CRIADO

 

O CRIADO É ARTISTA

 

O ARTISTA DO MUNDO É CRIADO NOSSO

 

O ARTISTA É CRIADO NOSSO

 

O NOSSO MUNDO É CRIADO

 

O CRIADO É NOSSO ARTISTA

 

O ARTISTA É NOSSO MUNDO

 

O ARTISTA É NOSSO

 

O ARTISTA É MUNDO

 

O MUNDO É CRIADO

 

O MUNDO É CRIADO DO ARTISTA

 

O ARTISTA É DO MUNDO

 

O ARTISTA É O MUNDO

 

O ARTISTA É.

 

 

 

                                                                                Pedro Paulo Domingues

                                                                                Rio, fevereiro 1995 

SILÊNCIO

O silêncio total acontece na ausência total da matéria.

 

Vácuo.

 

O objeto é uma pequena câmara de vácuo, onde só existe uma fina folha de ouro com a palavra “silêncio” impressa em relevo.

 

A escultura se caracteriza pela quase total ausência de matéria.  A quase não matéria está contida na redoma transparente; apenas o vácuo e o ouro - que apesar de metal, pode ser forjado em folhas com espessura de apenas alguns átomos.

 

Pedro Paulo Domingues

Rio, setembro 1996

 

CERCA DE 20 LÂMPADAS

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Considerações acerca do trabalho

 

 

 

O que faz com que algumas lâmpadas fluorescentes juntas sejam vistas como obra de arte?

 

O modo pelo qual as lâmpadas foram agrupadas dá um significado óbvio ao objeto resultante.  Ele existe como forma definida e é um estereótipo de cerca.

 

Neste caso, porém a cerca, sendo ela de que material for, não teria desenvoltura suficiente para circular em meio a obras de arte, mesmo sendo feita de materiais tão frágeis quanto o vidro, a luz e a corrente elétrica, além de que essas três matérias, dada a sua fragilidade não conferem ao objeto a função para a qual foi projetado - cercar.

 

Talvez então, ele seja reconhecido como obra de arte justamente por existir como forma e inexistir como função, acrescido pelo fato de que existe uma imprecisão quanto à sua definição - são na realidade 24 lâmpadas.

 

 

 

Pedro Paulo Domingues

Rio, setembro, 1988

BÓLIDO

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Uma pedra alada.

A pedra que nos passa a sensação de peso e imobilidade possui um par de asas de alumínio conferindo paradoxalmente a ela leveza e velocidade.

Até que ponto os atributos relativos às asas compensam ou anulam os relativos à pedra?

Ou será vice-versa?

As asas são capazes de transformar um monolito em um bólido? De fato não, poeticamente sim.

O Bólido, que está repousando sobre a grama, com suas asas abertas dá a impressão de estar prestes a alçar voo.

PPDomingues março 2014

PRINCÍPIO DA PAIXÃO

 

Duas instalações oscilantes

 

Pedro Paulo Domingues é um artista que oscila. É capaz de produzir obras de boa e má qualidade. Esse fato mais uma vez se repete nas duas instalações que apresenta no espaço alternativo do Ibac. Sob o título “Princípio da Paixão”, estes dois trabalhos dão continuidade a um projeto mais amplo em que tem buscado desvendar visualmente o misterioso e atraente universo da paixão.

 

Na história recente das artes, o tema paixão associada à sua pulsão sexual tem sido tem sido explorado pelo surrealismo. Este movimento propõe uma transposição das conquistas da psicanálise para as artes plásticas. Como o discurso psicanalítico é fundamentalmente cravado pela palavra, o surrealismo absorve a densidade descritiva e a intensidade simbólica do verbo. Em outras palavras, com o surrealismo as artes visuais perdem suas características primordiais, que são a de ser indicativa, ou seja, de bastar a presença pura e simples da imagem. Passa a ocorrer um excesso de conteúdo que mascara a forma.

 

É aí que surpreendemos a oscilação de Pedro Paulo Domingues. Quando se deixa levar excessivamente pelo conteúdo simbólico dos objetos que escolhe para montar sua instalação, a forma enfraquece. Esse é o caso da obra que se encontra na sala mais ao fundo, em que mistura areia, pano vermelho, espelho, anzol e cabelo. Trabalha com a saturação de significados implícitos nesses objetos sem deslocá-los do nível do conceito para o da imagem. O resultado é óbvio e evidente: espelho/narciso, cabelo/fetiche, anzol/conquista, pano vermelho/pomba-gira. A obviedade do símbolo achata a sutileza da forma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas qual não é a surpresa, quando observamos que nada disso acontece na outra instalação. Apesar de trabalhar com quase todos os mesmos elementos (tirando o cabelo e acrescentando uma rede de pesca azul) a orquestração que impõe às formas faz nascer um sentimento solene, suspenso e paralisado, que reproduz o magnetismo da paixão. Cria uma densidade no ambiente que é intraduzível ao nível das palavras, mas que é colada da forma; da força impositiva da imagem. A tule vermelha, presa por uma infinidade de anzóis parece levitar na sala. Mas o fantástico é que não é uma coisa molenga, como se poderia esperar de um pano. Ao contrário, parece sólido como um corpo e leve e denso como o isopor.

Marcio Doctors

O Globo 08 Abril 1991

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