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USINA DE INFLUÊNCIA

 

(A RODA E O CÉREBRO)

 

            As maiores invenções da humanidade são quase sempre anônimas.  A ciência prefere considerá-las criações de sociedades em vez de descobertas individuais.  As essenciais vêm da pré-história e ajudaram o homem a sair da irracionalidade e ingressar num mundo racional.  A roda, por exemplo.

 

            A arte, supõe-se, é pura invenção autoral, podendo virar patente, uma marca personalizada, e até culminar num produto de consumo – duto emotivo que através dos sentidos percorre milhões de cabeças registrando uma parte da criação do mundo.  Se a roda, o círculo, semióticamente induz ao movimento, a mais bela máquina que existe neste planeta se oculta no cimo do corpo humano – o cérebro.

 

            Hoje a “ARTE PURA”, antes de virar folclore oficial, só é encontrada na roça ou em hospícios, onde ainda reserva certa distância da usina de influência da informatização globalizada.

 

            O artesão – inventor de uma emulsão reveladora da poesia – é o vetor, a força que dá impulso à origem da criação de energia – “O Princípio da Paixão”.  A loucura é a “peça original” da criação.

 

            O artista Pedro Paulo Domingues despega-se da realidade exterior para criar um mundo autônomo e arquitetar o movimento.  Sua ciência conduz o espectador a uma dívida ativa.  É a memória do ato – antes ou depois – um hiato.

 

            São aparelhos para uso interno – via psicoterápica – máquinas poéticas que inebriam, instigam ao raciocínio, a uma reengenharia da razão.  São objetos para uso externo – via ocular, nasal, oral, tátil.  Eu, Miriam, frequentaria a ópera com a “bengala” de rodinha na ponta, iria à praia com o “aparelho de visão seletiva”, me divertiria com o “equador” e os “triciclos” num domingo às margens da lagoa, com os “aparelhos de sugar” em casa numa tarde chuvosa e seduziria as capilares “Vênus” com cafunés requintados.  Ficaria de quatro, domada e cega na imprecisa “cerca de 20 lâmpadas” e com a resistência baixa talvez me resfriasse nos “4 ventos” do “infinito” de ventiladores.  Mas com certeza, me banharia na inesgotável “fonte” Láctea de prazer edipiano.  Será que depois dessa viagem com Alice, rumo ao país das maravilhas, teria que voltar à minha terapia freudiana?  Bom, todos os sentidos foram percorridos – resta o sem sentido.  A incógnita: a desmaterialização!

 

Subtrair o ar para dividir o silêncio

Somar o espaço para multiplicar o invisível

 

            Espelho do contratempo – contraponto que procura traduzir as secretas secreções de uma imagem sacra com o designer emergente de um detergente.  Código de barra na embalagem dá acabamento refinado ao produto.  A propósito, a escultura de Domingues nos permite entrar numa área magnética retínica que nos colocará a partir da observação sensitiva frente a um enigma caprichoso.  Nas últimas obras, ao ensaiar o aprisionamento plástico dos fluidos emotivos que emanam do acúmulo de energia do corpo humano, PPD é PHD em construir uma sensação de estagnação do tempo – um intervalo – a inércia do cronômetro entre uma jogada e outra – uma instantânea e inadiável reflexão sobre o mecanismo ativo da nossa espécie – uma arquitetura molecular da invisibilidade.  Cada molécula que forma a matéria está a serviço da origem da energia: hipnótica e impalpável.

 

            Na investigação dos campos de força e suas fronteiras indefinidas, é que se manifesta o impulso mental e a pulsão emocional de Pedro Paulo Domingues.  Sua configuração contém a ideia materializada em questão, como estímulo a um fluxo inverso de percepção.  Como?  Em duas palavras:

 

o infinito sem ângulos               (VÁCUO)

a energia visível                        (APARATO)

 

Miriam Ash

junho 1997/98

 

 

 

Miriam Ash é poeta e crítica de arte. A primeira por devoção, a segunda por deploração. Lepisma de biblioteca, fez sua formação nas páginas em branco dos livros e nas pálidas pátinas das superfícies. Escreve por encomenda ou dilaceramento interno. Poderia ter nascido na ilha grega de Lesbos, tal sua identificação com a cultura oficial. Permanece convicta de que o artista é um artífice do artifício e que a arte faz parte de um aparte do espanto.

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